Crônica: CONTATOS DE VIDA, CONCEPÇÃO E MORTE

I – Pai, Doença COVID 19
Era noite do dia 28 de outubro de 2021…
Estava tranquilamente em casa, por volta de 20:00, celular toca, é uma ligação de minha irmã que fala baixinho:
– Papai não está bem e estamos o levando ao hospital.
Levei um susto e questionei:
– O que houve?
– Papai está com tosse e falta de ar.
Depois de uma hora ela retorna à ligação e dá a notícia:
– Resultado do exame testou positivo para Covid.
Naquele momento fiquei em desespero e, ao mesmo tempo, preocupada com nossa mãe que convivia no mesmo quarto que ele. Mamãe sempre teve pânico de contrair a doença.
Em meus pensamentos, em uma fração de segundos, perguntei:
– Será que ela também contraiu?
Minha irmã, como sempre, acalma meu coração:
– Não vamos pensar nisso, disse ela.
Começou a saga da correria para socorrer no que for preciso.
Viagem para a cidade, orações, clamores a Deus… tudo por uma boa causa.
Mamãe, eu cuidava com carinhos e orações para acalentar, porque ela estava com ansiedade e muito medo. Isolou-se em seu quarto e não recebia visitas. Quatro dias de internação, papai foi liberado para continuar o tratamento em casa.
Uma luta para a sobrevivência. Mamãe cada vez traumatizada pelo caso e correndo o risco de ter uma depressão. Com isso, o papai, que era o dentinho, ficou um pouco de lado e passamos a nos preocupar com a mamãe que, dali em diante, requeria maior cuidado, por conta de viver em seu isolamento diário.

II – Neto, Nova Vida
Enquanto os cuidados com os pais precisavam ser continuo e cada dia mais delicado, outra situação entra em cena.
Era 16 de novembro de 2021, aproximadamente 16:00, à tarde, recebi um telefonema e a voz baixa no outro lado da linha, sussurrava:
– Mãe, tudo bem por aí?
– Eu, no meu espanto e surpresa (justamente porque ele nunca havia ligado nesse horário), respondi:
– Oi meu filho, estou bem e você?
Ele, em seu tom de voz baixa:
– É, estou vivendo um dia de cada vez.
Continuamos conversando por horas e até sorrimos.
Antes de nos despedir, ele, com voz engasgada, completou:
– Já que você sorriu muito, posso então te contar o motivo da minha ligação?
Assustei-me de novo. Por um minuto parei, sem dizer uma palavra.
Ele, com voz nervosa, quase trêmula, falou:
– Mãe, está preparada para ouvir o que tenho para contar?
No momento pensei que fosse por conta do vidro da mesa que ele havia colocado algo pesado e que a quebrou. Ainda cheguei a mencionar se caso era sobre a mesa e ele responde:
– Não, é outra coisa.
Ainda questionou;
– Você consegue imaginar?
Meu filho, estou com o coração palpitando no peito, pulsação a mil… pronunciei:
– Fale logo.
Calmamente ele relatou:
Não quer tentar adivinhar?
No desespero da ansiedade fui arriscar o palpite:
– Terminou o namoro ou sua namorada está grávida?
No impulso da resposta, ele adiantou:
– O namoro vai muito bem.
Nesse instante calei, travei, fiquei sem palavras. Eu não sabia se chorava, gritava ou o abraçava virtualmente. A sensação de insegurança e felicidade tomava conta de mim
Silenciei…. E mesmo entre lágrimas e alegria acrescentei:
Filho amado, tu sabes o que fizestes?
– Tornou-me avó, embora sem me preparar, estou recebendo o mais nobre título. Transforma-me na pessoa que todos amam ser.
Ele respondeu:
– Pronto, fui contemplado para entregar o melhor dom da vida… e sorriu.
No momento, para alegrar o coração de minha mãe que estava atribulado com os recém-acontecimentos, levei a notícia.
Mamãe ficou surpresa, e falou:
– Meu neto, um rapaz tão calmo, não esperava que fosse pai tão novo.
– Ela deu um sorriso largo de felicidade.

III – Mãe… Inesquecível
Fim de tarde, próximo às 18h00, em 31 de dezembro de 2021. Ligo para minha mãe para nossa conversa diária. Já me aguardava. Esperava a ligação para nossas orações que fazíamos diariamente.
Assim, via celular, falamos de Deus, rezamos…. Ela me abençoou e disse que me amava. Não imaginava que seria a última vez que ouviria lindas palavras de sua boca.
– Uma hora depois…
Ligação, choro, suspiros e gritos de dor.
Meu coração chora inconsolavelmente. Sempre temia um dia receber esta notícia.
Procurei forças no colo de Deus… meu corpo tremia, voz chorona. Sabia que seria dolorido o reencontro.
Que data essa para ser a sua despedida…
Passagem de ano de 2021 para 2022, onde todos comemoravam com fogos, o meu coração queimava de dor enquanto meus olhos derramavam lágrimas rolando no rosto, sem cessar.
– Viajei… madrugada fria e chuvosa.
Cheguei ao encontro e sentia uma dor na alma. Ver aquela linda mulher, maravilhosa mãe, religiosa, amiga, amada, companheira e dócil em suas palavras e ações, descansando naquele lugar que seria sua última morada. Estava com um semblante sereno, pele gelada e na face à ternura de um rosto que sempre via sorrir. Toquei suas mãos frias como se estivesse pedindo para me abençoar. Debrucei sobre aquele corpo em um profundo e demorado abraço, como se fosse me tirar da solidão. Choro de desespero enquanto soluçava de dor.
O silêncio da capela ecoava o grito ao te chamar. Em meio a voz trêmula, balbuciei: mãe, porque não me esperou…. Perguntas em vão.
Através de seus olhos fechados, parecia que me acalmava com a beleza do seu rosto inerte.
Em mim descobri a fragilidade ao aceitar o medo de não a ter mais por perto. Não estaria mais comigo, a minha luz e a voz que me acalentava mesmo que através de uma ligação telefônica.
– Como viverei sem você?
Frases soavam sem resposta… vinham como brisa que tocava meu ser para sentir o conforto da perda… e não esquecer nunca. Olhar para o céu e contemplar todas as estrelas na certeza de que uma delas é o seu brilho de mãe cuidadosa, protetora que mesmo ausente estará sempre presente em todos os meus dias.
Renovar-me, criar, aprender, mas, acima de tudo, aceitar cada dia a saudade.
Tudo tão rápido. Doença do pai, concepção de um neto e morte de uma mãe. Três tempos diferente e com um aprendizado de vida.
A vida mudada. Tentando regenerar o interior… apenas pelo amor e nada mais!!!
Só lembranças… contato de vida, concepção e morte.

Crônica dedicada aos amados: meu pai, neto Davi e minha mãe. (Ano 2021)

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