O Maranhão é um território onde as palavras têm corpo, cheiro e movimento. Não é só o som que se solta da boca, mas também o gesto, a ironia, o rastro de uma cultura que atravessou séculos. Entre tantas expressões que desenham a fala maranhense, uma delas ganhou ares de patrimônio: o famoso “bem ali” — ou, para os íntimos, o “benhí”, sempre acompanhado do beiço esticado, como se a boca também apontasse o caminho.
Dizem que essa expressão nasceu da vida miúda, das caminhadas longas em ruas de chão batido, quando o tempo não era medido por relógio, mas por passos. O caboclo apontava com o beiço o lugar onde o visitante queria chegar e, com a naturalidade de quem não se apressa, dizia:
— É “bem ali”!
E o forasteiro, inocente, acreditava que o destino estava perto. Caminhava, caminhava… e descobria que o “bem ali” podia ser um quilômetro adiante, ou até mais. Nascia aí não só uma expressão, mas um retrato da alma maranhense: um jeito de relativizar a distância e, ao mesmo tempo, de brincar com ela.
No passado, esse “bem ali” era coisa de roça, de beira de rio, de quem se orientava pelos pés descalços e pelas estrelas. Era a língua simples do povo que se comunicava sem precisar de régua nem mapa. Bastava um beiço esticado e todos entendiam.
Mas o tempo passou, e o Maranhão se urbanizou. Chegaram os ônibus, os prédios, as avenidas largas. E mesmo assim, a expressão não morreu. Hoje, o “bem ali” continua vivo nos becos de São Luís, nas feiras de Imperatriz, nas conversas apressadas de Caxias. Só que, agora, às vezes ele viaja no WhatsApp, atravessa os memes e aparece em legendas de Instagram:
“Chego já, tô benhí.”
— e a pessoa ainda nem saiu de casa.
É aí que mora a grandeza dessa expressão: ela atravessa o tempo. O mesmo “bem ali” que um dia enganou o viajante cansado, hoje serve para brincar com a ansiedade moderna. É a tradição que resiste ao relógio e ao GPS, mostrando que a língua não é só comunicação, mas também memória, afeto e identidade.
No fundo, o “bem ali” é mais do que uma indicação de espaço. É um símbolo da paciência maranhense, do humor sutil, da arte de viver sem pressa. No passado, ele acompanhava o andar lento pelas estradas de barro. No presente, acompanha a correria digital, lembrando que a vida, afinal, não precisa ser medida em minutos.
E assim segue o Maranhão: um pé na história, outro no futuro, mas sempre com a boca pronta para dizer — e mostrar com o beiço esticado — que tudo está logo ali… bem ali.